segunda-feira, 30 de abril de 2012

PROSA POÉTICA DA DESGRAÇA [OU AUTOAPOCALIPSE]

O sol já esqueceu de nós
O cigarro já não acende mais
Pois não há de onde tirar fogo [mais]
Está tudo cinza, e o único verde é de mofo
A lua se afastou, a maré paralisou [não há uma onda]
Eletricidade esta nula, pois nada flui, tudo escuro
A terra esta inerte, os animais adormeceram
Nem ratos, nem baratas
Apenas humanos, com movimentos uniformes
Se vou para direita todos vão,
se alguém se deita todos deitam
tudo em lentidão, não pensamos mais
Estamos na corrente da solidão
E o único sentimento é de que Deus se aproxima
A sensação de sua aproximação não é boa,
Sua presença machuca, sentimos uma ardência
Esse é o momento da revelação,estamos dentro de Deus
Somos parte disso, microcélulas de Deus
Este é o momento final, ele está prestes a cometer suicídio
O único som que se escuta é de seus berros ecoando pela infinitude
Deus uiva como um insano arrependido, mas já esta seco por dentro
Não há mais salvação, a morte e o vazio cobrirá tudo e todos
Deus é o verdadeiro inferno, ao qual estamos todos condenados
*imagem por Fabio Hacienda

domingo, 29 de abril de 2012

A.R.T.I.C.U.L.A.Ç.Õ.E.S

Como uma melodia de piano velho escuto suas articulações toda noite, você que mora no apartamento acima poderia cair diretamente em meus braços. Você que estrala o pescoço ao amanhecer, estrala os dedos dos pés ao entrar no banheiro, que estrala os joelhos quando levanta do sofá, que quase quebra a janela antes de sair de casa. Você que ao invés de perceber minha presença no elevador e me dar "oi", prefere passar lápis no olho.Você que neste momento esta afiando uma faca. Você que agora grita como uma onça em fúria.Você que está quebrando todos os vidros da sala.Você que caiu sob minha sacada pendurada por um lençol trançado no pescoço e está jorrando sangue, nua, pálida e com os olhos bem delineados. Esta é a primeira vez que você me olha. Me ajoelho em frente ao teu corpo, faço uma preçe e bebo teu sangue que ainda está quente. Neste momento vejo uma luz, sinto um calafrio e me agarro em tuas pernas.O vento nos leva, me sinto cada vez mais leve e maior. Sou possuidor das nuvens pretas, não enchergo mais nada. Apenas escuto teu coração bater, você ainda esta viva, o sangue secou e a única coisa que escorre agora são suas lágrimas. Escuto uns estralos, são asas batendo e sobrevoando nossos corpos. Era isso que fazia vento, era isso que nos levou para as alturas, são urubus nos devorando e levando pedaços de nossa carne podre aos filhotes no ninho. Escuto estralos...estralos, Estralo!

Ser Num Piscar de Olhos

Quando nascemos um dos primeiros movimentos, talvez o mais importante, é abrir os olhos. Quando morremos, o último movimento, é fechar os olhos. É isso, a vida se passa num piscar de olhos. Tempo-Espaço!

Que órgão eu sou?

Se eu fui tecido, o tecido não sou eu. Sou a extensão de outro conjunto de órgão que foi estendido por milhares de extensões estendidas. Se eu sou um conjunto de coisas não posso ser nada especificamente isolado, logo sou a transcendência atômica, linguisticamente inexistente. Sou o elo da força gravitacional com a matéria condensada, sou fio da marionete (orgânica).

DOS PENARES

Tenho pena dos que só fazem arte em cima de um palco. Dos que são e não são. Dos que usam roupas. Dos que falam alto. Dos que se importam em existir. Dos que só comem o que lhe é servido. Dos que não se masturbam em público. Dos que são espertos. Dos que usam óculos escuros. Dos que compram jornais. Dos que usam ketchup. Dos que frequentam happy hours. Dos que usam excell. Dos que consertam objetos. Dos que são turistas. Dos que degustam. Dos que tiram nota alta. Dos que são maduros. Dos que falam "rock n roll". Dos que sabem dizer não. Dos que vendem algo. Dos que não aceitam a futilidade. Dos que morrem para sempre. Dos que amam. Dos que não amam. E principalmente, tenho pena dos que pensam socialmente e não pensam no todo.

Em Nuvens

Houve um acúmulo de nuvens. Uma explosão de nuvens. Uma chuva de nuvens. Eram imagens macias se dissolvendo por todos os lados, meus olhos não deram conta. Eu gritei e todos responderam: “nuvens não existem!”. Mas eu via ali muito mais do que águas pálidas. Meus pés estavam encharcados. Sentia a frieza do mundo me consumindo. Aos poucos fiquei submerso nas gotículas oxigenadas que não me retribuíram o oxigênio. Meu corpo se decompôs, mas minha alma estava mumificada naquele sarcófago de nuvem. Nuvem que foi ao vento e nunca mais voltou.

De onde vêm as sementes?

Assim como o bebê que vêm do repolho e o repolho que vêm da cegonha que por sua vez vêm do macaco, as sementes vêm? ou elas já estão eternamente? Um pontinho seco pode fazer um planeta, pode ser transformada num girassol, gigante e que dança com a luz solar. As sementes são lágrimas secas derramadas pela terra para servir de estímulo aos seres, mas nunca foram bem tratadas. Elas surgem por acaso e morrem no anonimato, nenhuma planta jamais foi enterrada por ter morrido, nenhuma flor, mesmo as mais belas, ganharam se quer um ritual de despedida. A natureza é submissa ao ser (in)consciente. Devoramos animais e subjugamos as sementes, que ao nosso ver são objetos de decoração. A vida gerada pela semente, digo; uma planta, se tornou tão superficial, vazia e plástica quanto a nossa. Nada nessa terra que é mais azul do que verde esta a salvo.